Pra maior parte de nós – eu inclusa – o YouTube é um lugar aonde eu vou quando estou entediada, quero entretenimento fácil ou quando preciso aprender algo muito rápido. Nunca pensei no YouTube como um lugar que poderia dar uma nova perspectiva de vida a alguém. Mas isso está acontecendo a jovens moças e rapazes LGBT pelo Brasil afora, especialmente a aqueles que moram no interior do país.
Descobrimos isso conversando com YouTubers brasileiros que fazem vídeos para o público LGBT. O Rafucko, já velho conhecido de quem lê o youPIX, o Canal das Bee e, mais recentemente, o Põe na Roda são canais que têm crescido de maneira bastante consistente não só entre o público jovem e queer, mas também entre heteros e bissexuais – e não só aqueles que apoiam a pauta, mas também entre os que não tinham, até então, contato com o mundo gay e até aqueles que tinham preconceito.
O resultado: mais auto-aceitação e mais aceitação do próximo. Todo mundo ganha.
"Cheguei a implorar pra Deus me curar"
"Você não tem ideia da quantidade de mensagens que eu recebo em tudo quanto é rede social de gente dizendo que teve coragem de se assumir pela maneira divertida e natural com a qual falamos de algo que era tabú", contou o Pedro HMC, um dos autores do Põe Na Roda, que com apenas 4 meses de vida já tem mais de 100 mil inscritos. Um deles foi o estudante Salomão Braga, de 15 anos, que conversou comigo e falou sobre como os vídeos do PC Siqueira – o irmão do PC, Beto, é gay – e o Põe na Roda o ajudaram a se aceitar como gay e se assumir para si mesmo e para os amigos.
De família religiosa, ele conta que chegou a "implorar de joelhos pra Deus me 'curar', e nada. Claro que não foi em um piscar de olhos, mas depois de um tempo, eu me aceitei e me aceito por conta do humor e das história dos gays dentro do armário que vi em um vídeo – "Afinal, o que há dentro do armário", do Põe na Roda. Meus amigos já sabem que sou gay e aceitam. Uso muitos argumentos do vídeo pra quem diz que é uma fase ou que não sei o que eu quero", contou.
.
Internet = expressão
Claro que essa representação do universo LGBT não acontece só em vídeo. Há Tumblrs, blogs, fanfics, Vines, Instagrams – um ecossistemas de pessoas produzindo conteúdo e se tornando modelos pra jovens LGBT. "A internet como um todo foi sim um fator [pra eu me aceitar]. Foi nela que eu encontrei a liberdade de me expressar e me aceitar", contou Alex Lopes, de 18 anos.
A diferença é que o vídeo traz, também, uma referência visual, que a gente tradicionalmente associa com o glamour – e o sucesso – da televisão. Especialmente na adolescência, em que a auto-imagem e a sensação de pertencimento se tornam algo tão importantes, o vídeo e a foto têm a capacidade de apresentar modelos mais fortes de identificação do que exemplos de comunidades cuja forma de comunicação seja escrita.
Ou seja: é importantíssimo que cada vez mais queers não só saiam do armário, mas deem as caras na internet e exponham seus mundos por aí. É um passo difícil, sim, mas que pode ajudar milhares de adolescentes que não encontram esses modelos na grande mídia, que só recentemente começou a mostrar alguns poucos gays, lésbicas, bi e transsexuais que não se encaixassem em um estereótipo cômico, caricato, pejorativo ou os três.
Cadê os gays na TV?
"Representatividade é fundamental, seja para jovens queer, trans, não-binários, para mulheres, negros… como a grande mídia falha nesse quesito, é importante ter canais alternativos de mídia que possam trazer essas imagens para os jovens que se sentem desamparados pela falta de representação", diz Sofia Soter, editora da revista online Capitolina, voltada para garotas adolescentes.
Sem referências, modelos de diversidade na vida adulta, um adolescente que cresce diferente dos outros e é vítima de preconceito e bullying pode não enxergar nenhuma luz no fim do túnel. "Na TV aberta e fechada, você tem programas e canais dedicados à mulher, ao homem à criança, ao nerd, aos idosos… mas conteúdo desenvolvido para o público gay ainda está engatinhando, e aí a internet acaba sendo a saída", exemplifica Pedro HMC. "Gay não tem em quem se espelhar. Meninas e meninos têm ídolos, mas no Brasil quem é gay, assumido e tá na TV? Quase ninguém", diz ele.
Jéssica Tauane, do Canal das Bee, diz que grande parte do público do canal é justamente composto por adolescentes entre 15 e 20 anos, e que recebe deles muitas mensagens dizendo que encontram apoio no canal. "Quanto mais canal LGBT e quanto mais LGBTs presentes na mídia, menos o adolescente vai sofrer, porque ele vai perceber que depois dessa fase hossível de auto-aceitação e saída do armário, existe um mundo colorido que é muito bacana", opina ela.
E o Rafucko acha até que teria saído do armário antes se tivesse crescido no contexto da internet. "Havia um estigma muito grande de que gay é só pegação, meramente sexual, e é bom ver não só outros modeols de relacionamento, mas outras pessoas que tenham a mesma orientação que você e que fazem de tudo: falam de videogame, cozinham ou até mesmo curtem futebol. O YouTube é um canal pra exposição dessa biodiversidade", diz ele.
Agora minha mãe entende!
"[Tem] mãe que já mandou mensagem dizendo que não aceitava o filho e, assistindo ao canal, está entendendo um pouco do universo dele. No próprio youPIX [Festival] , muito gamer, nerd, parava a gente e dizia 'pô cara, eu sou hétero, mas vocês são uns viados daora'", exemplificou Pedro HMC.
Claro que aí ainda há um discurso esquisito, de 'justificativa' – como se pra gostar de um canal gay fosse obrigatório ser gay, ou ainda como se fosse necessário se justificar por algo que, na realidade, não tem nada de pejorativo. Mas não dá pra negar que o Põe na Roda ajudou a mostrar a essas pessoas um universo antes desconhecido, quase sempre estereotipado.
"Tem uma parcela da população que é homofóbica, machista e racista que pode sim entender melhor as coisas se tiver contato com mídias que representem realisticamente esses grupos, ao invés de mídias que estimulam a reprodução de preconceito ou estereótipos", opina Sofia.
Dois dos vídeos mais vistos do Põe na Roda entrevistam mães e pais de filhos gays, que contam como foi o processo de aceitação de seus filhos como homossexuais. São relatos emocionantes pra qualquer tipo de pessoa, porque falam de amor incondicional, e todo mundo pode se identificar com isso em algum contexto mesmo sem ser queer.
Outro recurso narrativo desses canais, talvez o mais importante especialmente entre a audiência jovem, é o humor. Os roteiros são realmente engraçados e tratam do universo LGBT com a leveza ideal, especialmente pra quem está fora desse mundo. Em uma era de discussões infindáveis sobre o limite do humor e argumentos que vão na linha "é impossível fazer piada sem ofender", esses caras provam que dá sim pra ser engraçado falando de um tema sensível sem reforçar estereótipo ou contribuir pra tornar o mundo um lugar pior.
.
The post Como o YouTube está impactando o movimento LGBT appeared first on youPIX.
Original Article: http://youpix.virgula.uol.com.br/comportamento/youtube-movimento-lgbt/
Nenhum comentário:
Postar um comentário