terça-feira, 5 de agosto de 2014

Calote argentino: o que é credit default swap?

Calote argentino: o que é credit default swap?
Para Entender Direito - Blog

​Saiu na Folha de hoje (5/8/14):

"Argentina quer fundo que levou a calote investigado
A comissão de valores mobiliários da Argentina pedirá a seu equivalente dos EUA a investigação de um possível ganho do fundo Elliot, pivô do processo contra o país na Justiça americana, com os chamados CDS, contratos que servem de 'garantia' contra calotes de países.
O Elliot controla o fundo NML, que ganhou na Justiça dos EUA o direito de ter seus títulos da dívida argentina pagos integralmente, num total de US$ 1,3 bilhão. A decisão levou ao bloqueio, por um juiz, dos pagamentos de Buenos Aires aos demais credores, e, consequentemente, ao calote no dia 30.
Segundo o presidente da comissão, Alejandro Vanoli, o Elliot pode estar ganhando em duas pontas: ao se beneficiar da decisão da Justiça e com o prêmio pelo calote aos demais.
Vanoli, porém, disse nesta segunda (4) que 'não poderia revelar' quais provas sustentariam o caso.
O Elliot é um dos 15 integrantes do Isda, associação privada que decide, caso a caso, se houve ou não calote por parte de um país. É essa decisão que dispara os pagamentos de prêmio dos CDS (Credit Default Swap), cujo mercado é pouco regulamentado".

Credit Default Swaps (CDS) é um contrato no qual o comprador faz um ou vários pagamentos ao vendedor e, em troca, recebe um pagamento do vendedor se o instrumento de crédito - por exemplo, os títulos do governo ou o contrato de empréstimo feito por uma empresa – não for honrado, ou seja, se a empresa ou governo tornar-se inadimplente ou a ou pedir falência ou algum outro tipo de reorganização.

Basicamente, é como se fosse um seguro no qual se uma empresa ou governo der calote, o comprador recebe uma indenização.

Mas então por que não é um seguro?

Há quatro diferenças entre um CDS e um seguro, e elas são fundamentais para entendera razão do uso do CDS  em vez de um seguro na reportagem acima.

Primeiro, o vendedor do contrato não precisa ser uma entidade regulamentada.

Todas as seguradoras são não só regulamentadas mas estritamente supervisionada. Mas o vendedor de um contrato de CDS pode ser qualquer instituição financeira e, em algumas jurisdições, qualquer pessoa.

Segundo, a forma de controle de risco é fundamentalmente diferente entre os dois contratos.

Uma empresa de seguro gerência o risco através da chamada lei dos grandes números, que nada mais é do que dizer que, estatisticamente, ela não sabe qual segurado terá seu carro furtado, mas sabe que um determinado percentual terá seu carro furtado. Por exemplo, se ela tem mil segurados, 5% dos segurados normalmente tem seus carros furtados durante o ano, cada carro custa R$100, e os contratos que ela vende tem um prêmio de R$15, ela sabe que tem uma margem de segurança de R$10 mil (1.000 x R$ 15 - 1.000 x 5% x R$100).

Essa margem de segurança só funciona porque uma seguradora tem dezenas de milhares ou milhões de segurados (dai a 'lei dos grandes números'), o que faz com que as regras estatísticas sejam validas. Se ela tivesse apenas meia dúzia de segurados, seu risco seria muito maior e por isso teria de aumentar o valor do prêmio de forma absurda (por isso mesmo seguros de obras de arte e outros objetos raros são tão caros ou tais objetos simplesmente não são segurados: como há poucos objetos daquele tipo, a lei dos grandes números não se aplica e as seguradoras ou se recusam a segurar ou compensam o enorme risco cobrando enormes prêmios).

Já o vendedor no contrato de CDS tem apenas alguns contratos e a lei dos grandes números não o protege de forma adequada. Logo, ele tem três soluções para controlar o risco: ou ele apenas entra em CDS de valores pequenos em relação ao que tem em caixa, ou cobra um valor alto comprador ou, o que é mais usual, ele repassa todo ou patê do risco para outras instituições financeiras através de outros contratos de CDS nos quais ele passa a ser o comprador.

A terceira diferença está ligada a essa segunda diferença: o vendedor em um CDS não precisa manter reservas mínimas, mas uma seguradora precisa.

Quando você contrata uma apólice de seguro e transfere o dinheiro para a seguradora, ela precisa manter parte desse dinheiro em fundos de reserva.

Voltando ao exemplo anterior, e de uma forma muito simplificada, os R$5 mil que provavelmente terá de pagar durante o ano precisam ser mantidos em uma reserva pela seguradora. Apenas os outros R$10 mil podem ser usados para investir, especular ou pagar dividendos.

Já no caso de um vendedor de CDS, ele não precisa manter um fundo de reserva (mas, se for uma instituição financeira, o país no qual atua provavelmente terá alguma regra obrigando a ter um percentual mínimo de capital).

Por fim, e o mais relevante para a reportagem acima, para se fazer um seguro, uma das parte contratantes precisa ser dona da coisa segurada. Você não pode, por exemplo, fazer um seguro no qual você recebe um pagamento da seguradora caso o carro de seu vizinho seja roubado.

No caso da reportagem acima, seria impossível o fundo de investimento fazer um seguro se ele não era uma das partes envolvidas. Mas era possível fazer um CDS porque o CDS, nesse sentido, parece muito mais com um contrato de aposta do que com um contrato de seguro. Você não precisa ser dono de um cavalo para apostar nele.

No caso da reportagem acima, o que a Argentina alega é basicamente que o fundo, por um lado apostou (comprou CDS) que a Argentina daria calote nos credores que aceitaram o desconto de seus títulos e, por outro lado, entrou com uma ação que forçou o calote.



Original Article: http://direito.folha.uol.com.br/blog/calote-argentino-o-que-e-credit-default-swap

Nenhum comentário:

Postar um comentário